PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. MEDICAÇÃO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. IMPRESCINDIBILIDADE EVIDENCIADA. SOLIDARIEDADE PASSIVA. TEMA 793 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Ementa:
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. MEDICAÇÃO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. IMPRESCINDIBILIDADE EVIDENCIADA. SOLIDARIEDADE PASSIVA. TEMA 793 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. Uma vez demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde, é admitido o fornecimento de medicação cuja vantagem terapêutica para o caso concreto está evidenciada.
3. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Orientação firmada no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal.
(TRF4, AG 5018372-54.2023.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 21/09/2023)
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Agravo de Instrumento Nº 5018372-54.2023.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: DAVI PORTO DIAS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
AGRAVADO: ELISABETE PORTO REBIMBAS (Pais)
RELATÓRIO
A União interpôs agravo de instrumento, com requerimento de atribuição de efeito suspensivo, contra decisão (evento 20, DESPADEC1, do processo originário) que deferiu o pedido de tutela de urgência, determinando-lhe o fornecimento do medicamento trikafta (combinação elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor), em quantidade suficiente a 3 (três) meses de tratamento de fibrose cística (CID E84).
A agravante destacou, inicialmente, o caráter irreversível da antecipação de tutela concedida na origem, a evidenciar o dano de difícil reparação apto a justificar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso. Em seguida, discorreu acerca da doença que acomete a parte autora e sobre o medicamento por ela postulado, alegando que há alternativas de tratamento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Tratou do modo de incorporação de novas tecnologias ao SUS e defendeu que se observe a análise feita pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Ponderou que a concessão judicial do medicamento depende da demonstração da insuficiência da política pública. Postulou, assim, a revogação da antecipação de tutela. Em caráter subsidiário, requereu o direcionamento do cumprimento da obrigação ao ente estadual, com ressarcimento pro rata em face da União na via administrativa.
Foi indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso.
O ente federal ingressou com agravo interno.
Com contrarrazões, vieram os autos.
O Ministério Público Federal opinou pelo parcial conhecimento do agravo de instrumento e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento.
VOTO
Cumpre, na hipótese, apreciar conjuntamente o agravo interno e o agravo de instrumento, uma vez que ambos os recursos devem ser submetidos à turma e estão em condições de julgamento.
Os requisitos para o deferimento da tutela de urgência estão indicados no art. 300 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Conclui-se, portanto, ser indispensável para o deferimento de provimento antecipatório não só a probabilidade do direito, mas também a presença de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, aos quais se deverá buscar, na medida do possível, maior aproximação do juízo de segurança previsto na norma, sob pena de subversão da finalidade do instituto da tutela antecipatória.
Em relação à probabilidade do direito, cumpre observar que a Constituição Federal (CF) consagra a saúde como direito fundamental, seja ao contemplá-la como direito social no art. 6º, seja ao estabelecê-la como "direito de todos e dever do Estado", no art. 196. O constituinte assegurou, com efeito, a satisfação desse direito "mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", bem como o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Embora a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais seja imposta já pelo §1º do art. 5º da CF, no caso do direito à saúde, foi editada a Lei nº 8.080/90, a qual expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência farmacêutica (art. 6º, I, d). Desse modo, a Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica integra a Política Nacional de Saúde, tendo como finalidade garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, quer interferindo em preços, quer fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.
Daí não se depreende, todavia, a existência de direito subjetivo a fornecimento de todo e qualquer medicamento. Afinal, mesmo o direito à saúde, a despeito de sua elevada importância, não constitui um direito absoluto. A pretensão de cada postulante deve ser considerada não apenas sob perspectiva individual, mas também à luz do contexto político e social em que esse direito fundamental é tutelado. Isto é, a proteção do direito à saúde, sob o enfoque particular, não pode comprometer a sua promoção em âmbito coletivo, por meio das políticas públicas articuladas para esse fim.
A denominada “judicialização do direito à saúde” impõe, com efeito, tensões de difícil solução. De um lado, a proteção do núcleo essencial do direito à saúde e do “mínimo existencial” da parte requerente, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). De outro, o respeito ao direito dos demais usuários do SUS e a atenção à escassez e à finitude dos recursos públicos, que se projetam no princípio da reserva do possível. Associado a este problema está, de modo mais amplo, o exame do papel destinado ao Poder Judiciário na tutela dos direitos sociais, conforme a Constituição Federal de 1988, que consagra, como se sabe, tanto a inafastabilidade do acesso à justiça (art. 5º, XXXV) como a separação dos Poderes (art. 2º).
A jurisprudência tem apontado parâmetros para equacionar essa contradição, orientando o magistrado no exame, caso a caso, das pretensões formuladas em juízo. Assume especial relevo, nesse contexto, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, após a realização de audiências públicas e amplo debate sobre o tema. Nesse precedente, foi assentado que “esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize” (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070).
Assim, cumpre examinar, primeiramente, se existe ou não uma política pública que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir - isto é, se o medicamento solicitado estiver incluído nas listas de dispensação pública do SUS -, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo à concessão do fármaco, cabendo ao Poder Judiciário assegurar o seu fornecimento.
Todavia, se o medicamento requerido não constar nas listas de dispensação do SUS, extrai-se, do precedente mencionado, a necessidade de se observar alguns critérios, quais sejam: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.
Atendidos esses requisitos, o medicamento deve ser concedido. Nessa hipótese, não constitui razão suficiente para indeferi-lo a mera invocação, pelo ente público, do princípio da reserva do possível. Nesse sentido, assentou o Min. Celso de Mello:
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)
Demais, o Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente recurso especial repetitivo sobre a matéria (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018), arrolando três requisitos para a concessão de medicamento não incluído em ato normativo do SUS, conforme se percebe a seguir:
Tema 106: A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
Houve modulação dos efeitos desta decisão, de modo a que se observe e exija a presença desses requisitos somente em ações distribuidas a partir da respectiva publicação.
Deduzidas essas considerações sobre a questão de fundo, passa-se ao exame da probabilidade do direito alegado, sob o enfoque da tutela de urgência.
O pedido administrativo foi indeferido sob o fundamento de que a medicação requerida não consta na lista de fármacos disponibilizados pelo SUS para o quadro clínico da parte autora.
Conforme o laudo médico anexado ao processo originário (evento 1, OUT10), o paciente é portador de fibrose cística, com manifestações pulmonares (CID E84). Foi diagnosticada mutação genética F508del em homozigose, condição para a qual trikafta foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Embora venha realizando o tratamento padrão com boa adesão, a doença segue evoluindo, de modo que o medicamento indicado serviria para retardar a progressão.
O Sistema Único de Saúde apresenta Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Fibrose Cística1, o qual oferece uma gama de tratamentos para a doença. A maioria dos tratamentos é projetada para tratar problemas digestivos e para limpeza dos pulmões, envolvendo a ingestão de enzimas digestivas para a alimentação; suporte nutricional; medicamentos broncodilatadores, antibióticos, anti-inflamatórios; fisioterapia respiratória; atividade física; acompanhamento multidisciplinar frequente.
Conforme o médico assistente, tais medidas não atendem a expectativa do paciente, no sentido de proporcionar-lhe tanto melhor qualidade de vida, como sobrevida de maior dimensão.
Diferentemente das terapias disponíveis no SUS, que atuam no controle dos sintomas, trikafta representa potencial avanço no tratamento, ao focar especificamente na gênese da doença, visando corrigir os defeitos da proteína CFTR causados pela mutação F508del.
Sempre que há a discussão sobre tratamentos, medicamentos e outras tecnologias em saúde, os litigantes devem cumprir ônus probatório para convencer o juiz da ausência ou existência de evidência científica quanto ao resultado pretendido.
Deste modo, o Estado pode ser compelido a fornecer fármacos ainda não cobertos pelo SUS, condicionada tal determinação à instrução processual, em que estejam presentes elementos consistentes indicativos da sua necessidade imperiosa no caso concreto.
Sobreleva, nessa ordem de ideias, o valor probatório de documentos e outros elementos que digam respeito casuístico à situação médica daquele que busca em juízo a tutela do direito à saúde.
Cumpre reconhecer que, via de regra, a prescrição do médico assistente da parte autora não constitui fundamento suficiente para se deferir judicialmente - ainda que em sede de tutela provisória - a concessão de medicamento não inserido nas listas públicas de dispensação. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região editou a Súmula nº 101, com o seguinte teor:
Para o deferimento judicial de prestações de saúde não inseridas em um protocolo pré-estabelecido, não basta a prescrição do médico assistente, fazendo-se necessária a produção de provas atestando a adequação e a necessidade do pedido.
Significa que, para a antecipação dos efeitos da tutela, devem estar presentes elementos confiáveis nos autos quanto à probabilidade do direito e o perigo de dano grave ou de difícil reparação.
Essa prova não necessariamente deve ser pericial. Embora razoável, a exigência de perícia prévia não pode ser vista como um obstáculo instransponível ao deferimento da medida de urgência.
Veja-se que a prova pericial não foi arrolada entre os requisitos exigidos pelo Tema 106 do Superior Tribunal de Justiça para a concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS.
Justifica-se, assim, a depender das circunstâncias do caso, a concessão de tutela de urgência antes da realização de perícia judicial. Em especial, quando o retardamento do processo implica flagrante prejuízo ao estado de saúde do postulante.
Registre-se que não se trata de dispensar a produção de prova judicial com o auxílio de profissional médico. Não se nega a utilidade - e a frequente necessidade - de parecer especializado, a ser devidamente determinada na origem. Cumpre atentar apenas para a dispensabilidade da 'prévia' realização da perícia médica para o deferimento liminar da tutela quando os requisitos já se encontram presentes.
Há que se perquirir, sob o ponto de vista técnico-científico, acerca da efetividade da medida de urgência, cuja demonstração pode ser dar através de laudo médico específico devidamente fundamentado (que não se confunde com a mera prescrição do tratamento), principalmente à luz da Medicina Baseada em Evidências.
É possível a produção de provas também mediante consulta às avaliações da CONITEC, dos Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde ou, ainda, de estudos de elevado nível de evidência científica, a fim de avalizar a prescrição do médico assistente.
Faculta-se, inclusive, a realização de parecer técnico junto aos órgãos de assessoramento técnico do Poder Judiciário (Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário - NATJUS).
Nessa linha, o enunciado n.º 18 aprovado na I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça prescreve:
ENUNCIADO Nº 18
Sempre que possível, as decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por Núcleos de Apoio Técnico em Saúde -NATS.
O MM. Juiz determinou a elaboração de avaliação técnica pelo Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS). Extrai-se da Nota Técnica conclusão favorável, dado o contexto dos autos (origem, evento 16, NOTATEC1):
Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia: (...)
A medicação Trikafta (Elexacaftor+ tezakaftor+ivacaftor) é composta por dois corretores da CFTR (corrigem o processamento da proteína) e um potenciador (ativa a função da proteína). A medicação foi aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) em outubro de 2019, pela EMA (European Medicines Agency) em agosto de 2020, e teve seu registro aprovado no Brasil no dia 02 de março de 2022 junto à ANVISA. Neste registro, tem como indicação pacientes com FC com 6 anos de idade ou mais que tenham pelo menos uma mutação F508del no gene CFTR. Já o FDA aprovou em dezembro de 2020 o uso para pacientes com ao menos uma cópia de outras mutações da mesma classe da F508del que tenham demostrado resultado in vitro à medicação. Estudos tem demostrado benefícios significativos do Trikafta nos pacientes elegíveis, com melhora da função pulmonar, redução de exacerbações respiratórias e necessidade de internação, melhora do ganho de peso e melhora da qualidade de vida. Revisões sistemáticas mostram que até o momento a droga tem mostrado bom perfil de segurança, sendo os eventos adversos mais frequentes erupções cutâneas e elevação de enzimas hepáticas. No entanto, por se tratar de medicação de uso recente, ainda não é possível estabelecer riscos de efeitos a longo prazo, frequência de abandono do tratamento e comparativo de custo-efetividade entre diferentes estratégias terapêuticas.
Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: Em estudo placebo-controlado de 24 semanas com 403 participantes heterozigotos para a mutação F508del, observou-se um aumento no volume expiratório forçado no 1o segundo (VEF1) de 14,3%, sendo este volume o principal parâmetro avaliado na progressão da função pulmonar na FC. Além disso, observou-se uma redução de 63% na frequência de exacerbações, aumento no escore de qualidade de vida e redução nos sintomas respiratórios. Seguimento clínico observacional destes pacientes por mais 24 semanas mostrou sustentação desta resposta. Resultados semelhantes foram encontrados em estudo com pacientes de 6 a 11 anos de idade. Estudos comparando o Trikafta com a combinação tezacaftor/ivakator também mostraram superioridade da combinação tripla. Em estudo observacional, 245 pacientes com FC e doença pulmonar grave observou-se aumento médio de 15% no VEF1, ganho ponderal médio de 4,2kg, redução da necessidade de oxigênio em 50% dos pacientes. De forma ainda mais significativa, 48 dos 53 pacientes que estavam em lista de espera para transplante pulmonar ao início do estudo saíram de lista por melhora clínica.
Recomendações da CONITEC para a situação clínica do demandante: Não avaliada
Conclusão
Tecnologia: VÁLIDO
Conclusão Justificada: Favorável
Conclusão: CONSIDERANDO o diagnóstico de Fibrose Cística (FC), confirmado por análise genética conforme documentos acostados;
CONSIDERANDO que o paciente apresenta progressão da doença pulmonar, como demonstrado pelas tomografias, a despeito de tratamento já otimizado;
CONSIDERANDO que a medicação Trikafta demonstrou ganho significativo de função pulmonar e redução de complicações em estudos científicos, tendo ação diretamente no defeito básico causador da doença;
CONSIDERANDO que tal medicação teve seu registro recentemente validado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ainda não foi avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec);
CONSIDERANDO que o paciente apresenta mutação genética F508del em homozigose, condição para a qual o Trikafta foi aprovado na ANVISA;
CONCLUI-SE que HÁ elementos técnicos para sustentar a indicação do medicamento solicitado (Trikafta), no presente caso. Ressalta-se que o caso deve ser revisto periodicamente com relação à pertinência da manutenção do tratamento, tolerância a ele e desenvolvimento de efeitos colaterais.
Há evidências científicas? Sim
Justifica-se a alegação de urgência, conforme definição de Urgência e Emergência do CFM? Sim
Justificativa: Com risco de lesão de órgão ou comprometimento de função.
Em consulta efetuada ao Sistema Nacional de Pareceres e Notas Técnicas (e-NatJus), constituído de acordo com o Provimento nº 84/2019 do Conselho Nacional de Justiça, constata-se que têm prevalecido avaliações técnicas favoráveis à proposição de trikafta em circunstâncias similares aos autos. Destacam-se as recentes Notas Técnicas nº 1147272, nº 1143313, nº 1121424, 1054695 e nº 1019176.
Cumpre observar, ainda, que a moléstia da qual o agravado é portador foi recentemente avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde - CONITEC, que em sua 121ª reunião ordinária, no dia 3 de agosto de 2023, recomendou a incorporação1 no SUS do trikafta para tratamento de pacientes com fibrose cística, com 6 anos de idade ou mais, com ao menos uma mutação F508del (evento 26, DOC2).
Em se tratando de tratamento de fibrose cística, a posição majoritária do Tribunal Regional Federal da 4ª Região considera os dados disponíveis suficientes para justificar a dispensação de trikafta. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. MEDICAÇÃO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SUS. IMPRESCINDIBILIDADE EVIDENCIADA. 1. A elevada despesa aos cofres públicos não pode ser razāo para impedir a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. Uma vez demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde, é admitido o fornecimento de medicação cuja vantagem terapêutica para o caso concreto está evidenciada. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002529-49.2023.4.04.0000, 5ª Turma, Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/04/2023)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ELEXACAFTOR/TEZACAFTOR/IVACAFTOR (TRIKAFTA®). PARA TRATAMENTO DE FIBROSE CÍSTICA. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PRESENTES. (...) 5. CASO CONCRETO. Hipótese em que, presentes os pressupostos indispensáveis para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida, nos termos do artigo 300 do CPC, deve ser deferida a medida liminar. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5007214-02.2023.4.04.0000, 10ª Turma, Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/04/2023)
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. TRIKAFTA. DOENÇA GENÉTICA. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA. EFICÁCIA COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. CABIMENTO. ATRIBUIÇÕES. CUSTEIO E REEMBOLSO. 1. Considerando que o perito reconheceu que o medicamento mostrou resultados promissores e tem demonstrado melhora na capacidade funcional pulmonar e qualidade de vida dos pacientes e, além disso, o SUS não fornecer nenhuma medicação modificadora de evolução de doença, fornecendo apenas medicações visando o manejo e controle dos sintomas da doença, além da possibilidade de realização do transplante de pulmão, cabível o fornecimento da medicação. Precedentes. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5044138-46.2022.4.04.0000, 10ª Turma, Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 29/03/2023)
DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. MEDIDAS DE CONTRACAUTELA.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INVERSÃO DO ÔNUS.ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. (...) 3. Situação excepcional que autoriza o fornecimento de droga não prevista na rede pública, tendo em vista a confirmação do diagnóstico da doença, o fato de não haver tratamento eficiente do SUS, bem como porque se revela como única alternativa capaz de agir na causa da doença, curando parcialmente o defeito genético causador das manifestações da doença. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002423-95.2021.4.04.7004, 10ª Turma, Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/11/2022)
DIREITO DA SAÚDE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA PULMONAR. EFICÁCIA DA MEDICAÇÃO. COMPROVAÇÃO. O medicamento TRIKAFTA, para casos de portadores de fibrose cística com mutação Delta F508, se mostrou eficaz, sendo que as opções até então registradas na ANVISA e incorporadas ao SUS para tratar da doença não possuem papel relevante na modificação do seu curso, considerada precitada mutação. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5052217-48.2021.4.04.0000, 6ª Turma, Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 30/11/2022)
ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE. OCORRÊNCIA. 1. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico, situação demonstrada no caso concreto. 2. O parecer técnico demonstrou que o medicamento Trikafta® é, frente ao esgotamento da terapêutica disponível no SUS para tratamento de Fibrose Cística, imprescindível. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5037092-06.2022.4.04.0000, 9ª Turma, Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/11/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ELEXACAFTOR + TEZACAFTOR + IVACAFTOR (TRIKAFTA). FIBROSE CÍSTICA. TUTELA PROVISÓRIA. VIABILIDADE. (...) 2. In casu, a função pulmonar da autora, com o passar do tempo e à vista dos efeitos deletérios de sua doença, vinha sofrendo expressivo declínio. Inobstante e tendo em conta valores arrecadados em campanha virtual, a demandante conseguiu adquirir alguns exemplares de um medicamento argentino bioequivalente (Trixacar) e, após utilizá-lo por um período aproximado de um mês, obteve ganhos terapêuticos expressivos, como aumento de peso, redução de escarro, controle glicêmico e desmame de oxigênio domiciliar. 3. A despeito das evidências científicas não serem robustas quanto à resposta sustentada da medicação a longo prazo, no caso específico destes autos, a realidade superou a teoria e, portanto, a terapia buscada, ao menos no curto prazo, revela-se imprescindível para impedir o avanço da doença e conferir maior qualidade de vida à autora, jovem de apenas 23 (vinte e três) anos de idade. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5018841-37.2022.4.04.0000, 9ª Turma, Desembargador Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/09/2022)
Neste último aresto, o Desembargador Federal Celso Kipper ponderou de forma percunciente (processo 5018841-37.2022.4.04.0000/TRF4, evento 59, RELVOTO1):
Reforço que as Turmas deste Regional, muito embora tenham, de início, caminhado no sentido de negar a medicação postulada, vêm, recentemente, entendendo pela sua concessão, sobretudo porque o Trikafta se revela como única alternativa capaz de minimizar os efeitos negativos provocados pela fibrose cística e postergar a necessidade de transplante pulmonar, havendo indícios de resultados promissores.
Nessa exata linha de conta, trago os julgados mais atuais desta Corte sobre a matéria: AC 5023961-29.2021.4.04.7200, NONA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 21/07/2022; AC 5058116-13.2020.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator para Acórdão LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 14/07/2022; AG 5050568-48.2021.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 07/07/2022.
No mesmo sentido, em caso análogo ao dos autos, manifestou-se a Desembargadora Federal Taís Schilling Ferraz (processo 5052217-48.2021.4.04.0000/TRF4, evento 41, RELVOTO2):
No caso, indeferi o pedido liminar, considerando que a medicação possui um custo excessivo em contraponto à ausência de comprovação de eficácia e segurança alcançadas com seu uso, tratando-se, ainda, de medicamento não registrado na ANVISA e não avaliado pela CONITEC. Naquela ocasião, foi considerado, ainda, que a nota técnica produzida pelo Telessaúde demonstrava haver incertezas quanto ao tratamento a longo prazo e seu impacto na sobrevida dos pacientes, bem como quanto aos potenciais riscos.
Entretanto, revejo o entendimento anteriormente adotado à luz das evidências científicas de eficácia e adequação do fármaco ao caso da autora, demonstradas nas notas técnicas acostadas aos autos (...)
Depreende-se da notas técnicas que embora existam opções disponíveis buscando modificar o curso da doença, tendo por alvo a proteína defeituosa que causa mutações no gene CFTR, que causa a fibrose cística, são destinadas a mutações específicas. A mutação mais comum, a Delta F508, apresentada pela agravante, é passível de tratamento medicamentoso com o Trikafta, apontado como primeiro tratamento efetivo para pacientes com 12 anos ou mais, que apresentam a mutação.
Os pareceres demonstram que já foram produzidos estudos randomizados, duplo-cego, e revisão sistemática, os quais apresentam dados confirmando melhora na função pulmonar, redução do cloreto no suor, e baixa incidência de efeitos adversos.
Diante das evidências de eficácia do medicamento para casos de portadores de fibrose cística com mutação Delta F508, bem como da informação científica de que as opções até então registradas na ANVISA e incorporadas ao SUS não possuem papel relevante na modificação do curso da doença para a mutação mencionada, revejo o entendimento adotado anteriormente, visto que preenchidos os requisitos para antecipação da tutela.
Assim, venho por me alinhar àquela que parece ser a posição atual dominante neste Tribunal Regional Federal.
Há elementos suficientes de prova indicando que a medicação apresenta eficácia ao caso do autor, elementos esses que não foram infirmados pela parte contrária.
Dado o estágio atual da doença e a performance clínica do paciente, não se ignora que a patologia do autor apresenta complexidade de manejo, com prejuízo importante à qualidade de vida e aumento de mortalidade.
Embora não tenha o condão de curar a doença (que, até o momento, é incurável, como, aliás, a maioria das doenças conhecidas pela medicina), a melhora da qualidade de vida, aumento da sobrevida e redução de hospitalizações são evidentes, segundo os estudos relacionados nos laudos médicos.
Nota-se que as exacerbações agudas e demais sintomas debilitantes relatados nos laudos, seriam efetiva e eficazmente controladas.
É importante que se compreenda o sentido da afirmação de que o tratamento não cura e é paliativo. Não significa que a medicação "apenas amenize" a doença, ou tenha significado menor para a saúde do paciente que sofre de uma moléstia severamente debilitante.
Também é pertinente observar que, de modo geral, as doenças raras, justamente por serem raras, exigem tratamentos diferenciados e, em muitos casos, de custo mais elevado, porquanto sua baixa incidência dificulta a viabilidade comercial da indústria farmacêutica e também a formação de grupos de pessoas suficientes para possibilitar pesquisas científicas.
Salienta-se que diante da raridade da enfermidade e da conseguinte limitação para produção de ensaios clínicos de larga escala, os estudos realizados mostraram-se suficientes para prover evidências do impacto do tratamento na evolução dos pacientes.
Disso tudo conclui-se, com base na medicina de evidências e na prova produzida nos autos, que a medicação em questão, com efeito, é substancialmente benéfica à parte autora.
Em essência, foi demonstrado que se trata de um caso excepcional em que o tratamento de saúde pedido judicialmente é devido por ser imprescindível e eficaz, à luz da medicina de evidências, à concretização dos direitos fundamentais.
A despeito de seu elevado custo, a concessão do medicamento evitará o acréscimo de outras despesas de saúde (consultas, medicamentos de base, exames, internações prolongadas e recorrentes em unidades de terapia intensiva, transplante pulmonar, etc), hipóteses também onerosas para o SUS, além do próprio usuário.
Sem contar o impacto orçamentário com gastos previdenciários, decorrentes da própria incapacidade do usuário.
O Supremo Tribunal Federal tem reiterado o entendimento de que o elevado custo aos cofres públicos não pode obstar a concessão do medicamento ao paciente. Ao enfrentar a alegação de grave lesão à economia, o STF afastou a alegação ao argumento de que tal risco não existe, uma vez que os pedidos devem ser apreciados caso a caso:
A análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida (STA 175. Min. GILMAR MENDES. Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010).
Ainda:
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (SOLIRIS ECULIZUMAD) PARA TRATAMENTO DE DOENÇA RARA: PRECEDENTES EM CASOS ANÁLOGOS. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. AMEAÇA DE GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. RISCO DE MORTE DOS PACIENTES. DANO INVERSO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS OU FATOS NOVOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(SL 558 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-188 DIVULG 24-08-2017 PUBLIC 25-08-2017)
Vê-se que o remédio reivindicado pelo requerente não se destina a trazer uma mera comodidade. Há indicativo médico e científico de ser a forma de tratamento apta a retardar os efeitos progressivos da doença, porquanto inexistentes outros medicamentos fornecidos pelo SUS adequados ao caso dos autos.
Desse modo, o quadro processual instaurado traz elementos que evidenciam as alegações contidas na petição inicial. Como foi visto, há significativo conjunto probatório a indicar que o medicamento é adequado e necessário, bem como que não há outras opções no Sistema Único de Saúde que possam substituí-lo.
É a hipótese de manter, portanto, a tutela antecipada, com base nas normas constitucionais que garantem o direito à saúde como dever do Estado.
Não há prejuízo à cognição ampla da matéria em primeiro grau de jurisdição.
CUMPRIMENTO
No que concerne ao pedido de que a operacionalização da entrega do fármaco fique a cargo do Estado do Rio Grande do Sul, destaque-se que, embora a obrigação de todos os réus seja de natureza solidária, nada obsta que o cumprimento da decisão judicial seja inicialmente dirigido a um dos litisconsortes.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nessa linha, enunciou na II Jornada de Direito da Saúde:
60 – Saúde Pública - A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.
A determinação não apenas resguarda o cumprimento da decisão judicial de qualquer eventual prejuízo, como também não impossibilita o posterior ajuste financeiro.
O Supremo Tribunal Federal, no dia 23 de maio de 2019, fixou a seguinte tese de repercussão geral (Tema 793):
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Cuida-se, com efeito, de entendimento sedimentado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (AG nº 5029770-37.2019.4.04.0000, 6ª Turma, Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, por unanimidade, julgado em 27/11/2019; AG nº 5044734-35.2019.4.04.0000, Turma Regional suplementar do Paraná, Juiz Federal Marcos Josegrei da Silva, por unanimidade, julgado em 26/11/2019).
Em face do que foi dito, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004075327v2 e do código CRC 684917fb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ADRIANE BATTISTIData e Hora: 21/9/2023, às 21:47:14
1. http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2021/20211230_Relatorio_670_PCDT-Fibrose_Cistica.pdf 2. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:114727:1675628497:aad420761139c52eb6acbd8c640d6bd93c97aad3b20770703092902837a31329 3. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:114331:1675628543:aa93d4873e8a6265ccd8744bd5c44ae35d853139776d576095c28cfa60926fbd 4. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:112142:1675628584:267fc1d4c9ae13a743df5cc9c00fe654b7feb0f4fdfeca86336886b16087bdc2 5. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:105469:1675627252:92ef483a42f1931dddf4220f278964b522471d7ed17bf9e9f330493a86595c27 6. https://www.cnj.jus.br/e-natjus/notaTecnica-dados.php?output=pdf&token=nt:101917:1675628644:03e7fe146e99e41f04534c39d9d95174d8e38faa3851321c5fcdadc7c0be2849 1. https://www.gov.br/conitec/pt-br/assuntos/noticias/2023/agosto/conitec-recomenda-incorporacao-de-medicamento-no-sus-que-pode-mudar-o-tratamento-da-fibrose-cistica-no-brasil
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Documento:40004075328 Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Agravo de Instrumento Nº 5018372-54.2023.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: DAVI PORTO DIAS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
AGRAVADO: ELISABETE PORTO REBIMBAS (Pais)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. MEDICAÇÃO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. IMPRESCINDIBILIDADE EVIDENCIADA. SOLIDARIEDADE PASSIVA. TEMA 793 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental.
2. Uma vez demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde, é admitido o fornecimento de medicação cuja vantagem terapêutica para o caso concreto está evidenciada.
3. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Orientação firmada no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de setembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004075328v3 e do código CRC adec0ca9.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ADRIANE BATTISTIData e Hora: 21/9/2023, às 21:47:14
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Extrato de Ata Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoEXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/09/2023 A 19/09/2023
Agravo de Instrumento Nº 5018372-54.2023.4.04.0000/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
AGRAVADO: DAVI PORTO DIAS (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
ADVOGADO(A): JANINE COELHO MARTINS CORRÊA DA SILVA (OAB RS069990)
ADVOGADO(A): FELIPE MULLER CORREA DA SILVA (OAB rs082728)
AGRAVADO: ELISABETE PORTO REBIMBAS (Pais)
ADVOGADO(A): JANINE COELHO MARTINS CORRÊA DA SILVA (OAB RS069990)
ADVOGADO(A): FELIPE MULLER CORREA DA SILVA (OAB rs082728)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/09/2023, às 00:00, a 19/09/2023, às 16:00, na sequência 428, disponibilizada no DE de 31/08/2023.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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