PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRAVAMENTO DA DOENÇA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE PREEXISTENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO DA RMI
Ementa:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRAVAMENTO DA DOENÇA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE PREEXISTENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO DA RMI.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. É devida a concessão do auxílio-doença e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, uma vez que a incapacidade sobreveio de agravamento da moléstia, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei nº 8.213, não se configurando incapacidade preexistente.
3. Tratando-se de aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença percebido no período imediatamente anterior, sem a existência de período contributivo entre os benefícios, a RMI da aposentadoria será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da RMI do auxílio, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral.
(TRF4, AC 5053652-34.2020.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 21/09/2023)
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Apelação Cível Nº 5053652-34.2020.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: STONE SIMOES TROST (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELADO: MARLENE DORNELLES SIMOES (Curador) (AUTOR)
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para concessão de auxílio-doença, em favor da parte autora, desde a data de protocolo do pedido administrativo (01/04/2014), convertendo-o em aposentadoria por invalidez a partir de 26/01/2021, implantando a tutela de urgência e condenando-o ao pagamento das parcelas em atraso corrigidas pelo INPC e com juros (caderneta de poupança), até 09/12/2021, quando passará a ser observada a SELIC, e honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação até a data da sentença, nos seguintes termos (evento 49, SENT1):
Ante o exposto, acolho a preliminar de prescrição quinquenal e julgo procedente o pedido, com resolução de mérito (artigo 487, I, do NCPC), condenando o INSS a:
a) conceder o auxílio por incapacidade temporária com DIB em 01/04/2014 a ser convertido em aposentadoria por incapacidade permanente desde 26/01/2021, nos termos da fundamentação;
b) efetuar o cálculo da RMI da aposentadoria por incapacidade permanente, considerando no período básico de cálculo, todo o lapso durante o qual o segurado esteve em gozo de auxílio por incapacidade temporária (ou, o então, auxílio-doença), dando interpretação conforme ao artigo 29,§5º, da Lei n. 8.213/1991, nos termos da fundamentação;
c) implantar, administrativamente, no prazo estabelecido no evento de requisição à CEAB-DJ, a renda mensal do benefício da parte autora, em vista da antecipação de tutela deferida, com DIP no primeiro dia do mês em que proferida esta sentença, conforme as informações contidas na tabela de dados para cumprimento, incluída abaixo;
c) pagar as prestações vencidas e vincendas desde 29/09/2015 (cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação), atualizadas monetariamente e com juros de mora, conforme a fundamentação, descontados os valores recebidos na vigência de outro(s) benefícios(s) durante este período, bem como descontadas as parcelas pagas a título de antecipação de tutela.
Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono da parte autora, fixados em 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Custas pelo INSS, que é isento do seu pagamento (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96), e sem ressarcimento, dado que não adiantadas, sendo a parte autora beneficiária de gratuidade da justiça.
Sem remessa necessária, tendo em vista que o valor da condenação não ultrapassará mil salários mínimos, conforme preceitua o art. 496 CPC.
Havendo recurso(s) voluntário(s) tempestivo(s), intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões. Acaso suscitadas em contrarrazões as matérias referidas no artigo 1.009, § 1º, do CPC/2015, dê-se vista a(s) parte(s) contrária pelo prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do § 2º do referido dispositivo legal. Juntados os eventuais recursos e as respectivas contrarrazões apresentadas no prazo legal devem ser os autos remetidos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Transcorrido o prazo sem interposição de recursos, certifique-se o trânsito em julgado e, após cumpridas as determinações do julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
Publique-se. Intimem-se.
Sustentou que a incapacidade é preexistente ao ingresso ao Regime Geral de Previdência Social, motivo pelo qual o autor não faz jus à concessão do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Alegou ainda que o valor da RMI da aposentadoria está incorreto, devendo ser afastada a aplicação do art. 29, § 5º, da Lei 8.213/91 no caso concreto, pois se trata de aposentadoria por invalidez decorrente de transformação de auxílio-doença (evento 56, APELAÇÃO1).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo (evento 5, PARECER_MPF1).
A parte autora requereu o andamento do feito (evento 7, PET1).
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Mérito da causa
Discute-se, inicialmente, a data de início da incapacidade, alegando o INSS que seria anterior à filiação do autor no RGPS.
Cabe verificar, portanto, se a incapacidade vem desde o nascimento ou tenra infância, o que afastaria o direito ao recebimento do benefício por se tratar de inaptidão preexistente. Ressalte-se que na esfera administrativa o indeferimento deu-se por ausência de constatação da incapacidade laborativa (evento 1, OUT15 e evento 7, LAUDO1).
Segundo consta do laudo pericial elaborado em 31/01/2021 (evento 23, LAUDOPERIC1), o especialista em psiquiatria atestou o diagnóstico de: F84.0 - Autismo infantil e F78.8 - Outro retardo mental - outros comprometimentos do comportamento. Concluiu que a incapacidade é permanente para toda e qualquer atividade desde 26/01/2021, fixando a data de início da incapacidade aos 03 (três) anos de idade do autor e em condições especiais em 2014, em razão de alterações cognitivas e de inteligência limitantes e irreversíveis.
Cumpre salientar que a prova se direciona ao magistrado, ao qual incumbe aferir da suficiência do material probatório produzido para a entrega da prestação jurisdicional. Com efeito, o julgador, via de regra, firma sua convicção com base no laudo do expert, embora não esteja jungido à sua literalidade, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
Nesse sentido, necessário referir que o demandante laborou como auxiliar de refeitório e empacotador de mercado (conforme consta do laudo pericial), o que se extrai, também, de seu CNIS (evento 6, LAUDO1), entre os anos de 2008 e 2013. Ocorre que o autor trabalhou em vagas reservadas às pessoas com deficiência, como informado por sua mãe na perícia realizada na via administrativa (evento 7, LAUDO1), de modo que o caso deve ser examinado considerando-se esta situação. Nesse passo, transcrevo trecho do bem lançado parecer do Ministério Público Federal, adotando-o como razões de decidir (evento 5, PARECER_MPF1), grifei):
(...)
No caso dos autos, trata-se de pessoa incapaz, diagnosticada com Autismo infantil; F78.8 - Outro retardo mental - outros comprometimentos do comportamento. Plenamente caracterizada a incapacidade para o trabalho e desempenho de atividades habituais.
Entende o INSS que a incapacidade preexistente à filiação ao RGPS constitui óbice ao recebimento dos benefícios por incapacidade temporária ou permanente, razão em que fundamenta o recurso aviado nos autos.
Contudo, necessário ponderar que a referência no laudo ao surgimento do autismo em tenra idade, como sói acontecer, por se tratar de doença que se manifesta cedo no desenvolvimento do indivíduo, aos 3 (três) anos de idade para o autor, não deve ser tomada como uma indicação de incapacidade laborativa absoluta desde então, como pretende o INSS, seja por não se extrair do laudo tal conclusão, seja por ser contrária às políticas públicas constitucionalmente consagradas de inclusão social das pessoas portadoras de deficiência (CF, art. 227), sendo o exercício do direito ao trabalho, sabidamente, uma das formas mais eficazes de promover tal inclusão.
No caso do recorrido, a data a ser considerada para efeito de início de incapacidade laborativa, remonta ao ano de 2014, como assinalado no laudo pericial, momento em que se caracterizou a incapacidade em condições especiais e a partir de quando o autor não teve mais condições de seguir suas atividades laborativas.
Outrossim, a previdência social, como sabido, está inscrita na Constituição Federal como direito social, em seu artigo 6°, caput.
Ademais, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13146/15), traz ainda os seguintes dispositivos relevantes ao deslinde do caso:
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.
(…)
Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
§ 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos.
§ 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor.
§ 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena.
§ 4º A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em igualdade de oportunidades com os demais empregados.
§ 5º É garantida aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação.
Art. 35. É finalidade primordial das políticas públicas de trabalho e emprego promover e garantir condições de acesso e de permanência da pessoa com deficiência no campo de trabalho. Parágrafo único. Os programas de estímulo ao empreendedorismo e ao trabalho autônomo, incluídos o cooperativismo e o associativismo, devem prever a participação da pessoa com deficiência e a disponibilização de linhas de crédito, quando necessárias.
A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um desafio a ser enfrentado pelo Estado brasileiro e por toda a sociedade.
A plena participação no meio social é objetivo que deve ser buscado, ainda que, por vezes, se revele extremamente difícil e até mesmo em alguns casos não seja plenamente alcançado.
Nesse contexto, inadequada a posição do INSS ao pretender desqualificar o trabalho prestado pela parte autora, como sendo apenas uma forma de “burlar” o sistema previdenciário, e não como uma tentativa legítima de se inserir no mercado de trabalho para, dentro das limitações congênitas do indivíduo, ter uma vida plena, com participação social e valorização pessoal, em tentativa quase heroica de dar efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Sem a apresentação de fundamentos que se lastreiem em fatos concretos, a argumentação da autarquia previdenciária revela contornos discriminatórios em relação a todos aqueles que, por diversas razões, tenham um acesso intermitente ao mercado de trabalho, dadas suas condições pessoais de saúde física e mental.
A alegação de doença preexistente foi afastada corretamente, uma vez que o autor exerceu atividade laborativa, tendo trabalhado em condições especiais em supermercado e como auxiliar de refeitório no Hospital da PUC até o ano de 2013, sendo reconhecido pelo expert no laudo pericial o agravamento posterior da doença.
O referido Estatuto da Pessoa com Deficiência agregou ao ordenamento jurídico normas específicas relativas à inclusão desse público ao mercado de trabalho e do direito à previdência social, como se observa a seguir:
Da Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho
Art. 37. Constitui modo de inclusão da pessoa com deficiência no trabalho a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, na qual devem ser atendidas as regras de acessibilidade, o fornecimento de recursos de tecnologia assistiva e a adaptação razoável no ambiente de trabalho.
Parágrafo único. A colocação competitiva da pessoa com deficiência pode ocorrer por meio de trabalho com apoio, observadas as seguintes diretrizes:
I - prioridade no atendimento à pessoa com deficiência com maior dificuldade de inserção no campo de trabalho;
II - provisão de suportes individualizados que atendam a necessidades específicas da pessoa com deficiência, inclusive a disponibilização de recursos de tecnologia assistiva, de agente facilitador e de apoio no ambiente de trabalho;
III - respeito ao perfil vocacional e ao interesse da pessoa com deficiência apoiada;
IV - oferta de aconselhamento e de apoio aos empregadores, com vistas à definição de estratégias de inclusão e de superação de barreiras, inclusive atitudinais;
V - realização de avaliações periódicas;
VI - articulação intersetorial das políticas públicas;
VII - possibilidade de participação de organizações da sociedade civil.
Art. 38. A entidade contratada para a realização de processo seletivo público ou privado para cargo, função ou emprego está obrigada à observância do disposto nesta Lei e em outras normas de acessibilidade vigentes.
(...)
Art. 41. A pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) tem direito à aposentadoria nos termos da Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013 .
Assim, diante dos elementos de prova carreados aos autos e com fundamento no direito da pessoa com deficiência ao exercício profissional e à proteção previdenciária, é de ser mantida a sentença, nos termos em que foi proferida.
Dessa forma, concluo que não se trata, como alegou o INSS nas razões de apelação, de incapacidade preexistente à filiação ao regime, o que, de todo modo, vai ao encontro das conclusões da autarquia na esfera administrativa.
Diante disso, a sentença deve ser mantida, no ponto, confirmando-se a antecipação dos efeitos da tutela para implantação imediata do benefício de aposentadoria por invalidez.
Cálculo da renda mensal inicial (RMI) da aposentadoria por invalidez
No caso dos autos, a aposentadoria concedida ao segurado decorre da conversão de auxílio-doença pago no período imediatamente anterior, conforme mencionado acima.
Sendo assim, o caso atrai a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 88):
Em razão do caráter contributivo do regime geral de previdência (CF/1988, art. 201, caput), o art. 29, § 5º, da Lei nº 8.213/1991 não se aplica à transformação de auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, mas apenas a aposentadorias por invalidez precedidas de períodos de auxílio-doença intercalados com intervalos de atividade, sendo válido o art. 36, § 7º, do Decreto nº 3.048/1999, mesmo após a Lei nº 9.876/1999.
Com efeito, a renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez é regida pela previsão do art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, in verbis:
A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral.
Dessa forma, a renda mensal inicial do benefício deve ser apurada a partir da atualização do valor correspondente a 100% do salário-de-benefício que foi efetivamente utilizado para apurar a RMI do auxílio-doença antecedente.
Nesse sentido, precedentes desta Corte (grifei):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. CÁLCULO DE RMI. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. 1. A aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença, sem retorno do segurado ao trabalho, será apurada na forma estabelecida no art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual a renda mensal inicial - RMI da aposentadoria por invalidez oriunda de transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. 2. Em situações em que o benefício de aposentadoria por invalidez é imediatamente precedido de auxílio-doença, não havendo períodos intercalados de gozo de benefício de auxílio-doença com recolhimento de contribuição previdenciária, a RMI será calculada com base no art. 36, § 7º, do Decreto n.º 3.048/99, ou seja, na transformação em 100% do salário-de-benefício do auxílio-doença, cuja RMI era 91% do salário-de-benefício. (TRF4, AG 5036187-35.2021.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 22/04/2022)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO DA RMI. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TEMAS 810 DO STF E 905 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DE PARCELAS POSTERIORES À SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 111 DO STJ E 76 DESTA CORTE. 1. Tratando-se de aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença percebido no período imediatamente anterior, sem a existência de período contributivo entre os benefícios, a RMI da aposentadoria será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da RMI do auxílio, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. (...) (TRF4, AG 5048197-48.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/05/2021)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. REDISCUSSÃO DE RMI. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO CONCEDIDO EM AÇÃO JUDICIAL ANTERIOR JÁ TRANSITADA EM JULGADO. CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DA OBRIGAÇÃO. CONCORDÂNCIA EXPRESSA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. INAPLICABILIDADE DO §5º DO ART. 29 DA LEI 8.213/91. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REQUISITOS. 1. Concedida e implementada a aposentadoria por invalidez em decorrência de ação anterior, já transitada em julgado, na qual houve concordância expressa da parte autora como os cálculos apresentados pelo INSS no bojo de cumprimento espontâneo da obrigação, não há falar em rediscussão da renda mensal inicial do benefício, pois comprovado nos autos que a matéria foi revolvida na ação primeva. 2. O disposto no § 5º do art. 29 da Lei 8.213/91 não se aplica aos casos em que o benefício a que se pretende a revisão da RMI, foi imediatamente precedido de outro benefício previdenciário, sem períodos intercalados de contribuição, caso da aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença 3. A litigância de má-fé não se presume, devendo ficar comprovada inclusive a existência de dano processual a ser compensado pela condenação, nos termos do artigo 80 do CPC. 4. Parcial provimento da apelação unicamente para afastar a condenação às penas da litigância de má-fé. (TRF4, AC 5033879-41.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/07/2018)
Dá-se provimento ao apelo no ponto, portanto.
Honorários advocatícios
Provida em parte a apelação do INSS, não há falar em majoração dos honorários advocatícios recursais.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação apenas para retificar o cálculo da renda mensal inicial do benefício da aposentadoria por invalidez, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004068370v10 e do código CRC 16e82325.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ADRIANE BATTISTIData e Hora: 21/9/2023, às 21:47:47
Conferência de autenticidade emitida em 02/10/2023 00:14:32.
Documento:40004068371 Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Apelação Cível Nº 5053652-34.2020.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: STONE SIMOES TROST (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELADO: MARLENE DORNELLES SIMOES (Curador) (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRAVAMENTO DA DOENÇA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE PREEXISTENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO DA RMI.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. É devida a concessão do auxílio-doença e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, uma vez que a incapacidade sobreveio de agravamento da moléstia, nos termos do art. 42, § 2º, da Lei nº 8.213, não se configurando incapacidade preexistente.
3. Tratando-se de aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença percebido no período imediatamente anterior, sem a existência de período contributivo entre os benefícios, a RMI da aposentadoria será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da RMI do auxílio, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação apenas para retificar o cálculo da renda mensal inicial do benefício da aposentadoria por invalidez, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de setembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004068371v7 e do código CRC db4d3ea6.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ADRIANE BATTISTIData e Hora: 21/9/2023, às 21:47:47
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Extrato de Ata Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoEXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/09/2023 A 19/09/2023
Apelação Cível Nº 5053652-34.2020.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: STONE SIMOES TROST (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIELA SIMOES BELL (OAB RS110063)
APELADO: MARLENE DORNELLES SIMOES (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO(A): GABRIELA SIMOES BELL (OAB RS110063)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/09/2023, às 00:00, a 19/09/2023, às 16:00, na sequência 227, disponibilizada no DE de 31/08/2023.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO APENAS PARA RETIFICAR O CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL DO BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 02/10/2023 00:14:32.