PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA
Ementa:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família
- Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
- À autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
- O INSS não realizou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, exigência prevista nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993 e do art. 42 do Dec. 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora vultuosa quantia que se acumulou durante o extenso lapso temporal em que a autarquia permaneceu inerte.
- Conclui-se dos autos que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores, sendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário, sendo incabível a cobrança de verba alimentar recebida de boa-fé.
- Apelação do INSS desprovida.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000418-47.2022.4.03.6114, Rel. CRISTINA NASCIMENTO DE MELO, julgado em 24/11/2023, Intimação via sistema DATA: 27/11/2023)
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-47.2022.4.03.6114
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEILSON DO NASCIMENTO DE CERQUEIRA
REPRESENTANTE: MARIA DE LOURDES NASCIMENTO DE CIRQUEIRA
Advogados do(a) APELADO: ELIANA DE CARVALHO MARTINS - SP189530-A, FABIANA IRENE MARCOLA ARAUJO - SP197068-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-47.2022.4.03.6114
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEILSON DO NASCIMENTO DE CERQUEIRA
REPRESENTANTE: MARIA DE LOURDES NASCIMENTO DE CIRQUEIRA
Advogados do(a) APELADO: ELIANA DE CARVALHO MARTINS - SP189530-A, FABIANA IRENE MARCOLA ARAUJO - SP197068-A,
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R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de apelação em face da r. sentença (id. 267514241) que julgou procedente o pedido inicial para: (i) declarar inexigível o débito de R$ 123.657,48, e (ii) condenar o INSS a conceder o benefício assistencial ao requerente com DIB em 01/11/2019.
Nas razões recursais, a Autarquia sustenta o não preenchimento do requisito da hipossuficiência para fins assistenciais, além da legalidade da cobrança administrativa. Requer a reforma do julgado.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000418-47.2022.4.03.6114
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DEILSON DO NASCIMENTO DE CERQUEIRA
REPRESENTANTE: MARIA DE LOURDES NASCIMENTO DE CIRQUEIRA
Advogados do(a) APELADO: ELIANA DE CARVALHO MARTINS - SP189530-A, FABIANA IRENE MARCOLA ARAUJO - SP197068-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
VOTO
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Em razão de sua regularidade formal, recebo o recurso, nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
A referida lei conferiu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Cidadã ao estabelecer as condições para a concessão do benefício de assistência social, quais sejam: ser o postulante pessoa com deficiência ou idoso e, em ambos os casos, comprovar situação de miserabilidade, de modo a não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232 1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
O objetivo do Constituinte ao impor a cláusula “não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” possui único intuito: conferir proteção social àqueles incapazes de garantir a respectiva subsistência.
Os preceitos envolvidos, como já asseverado, são os relativos à dignidade humana, à solidariedade social, à erradicação da pobreza e à assistência aos desamparados. Todos esses elementos fornecem razões para uma interpretação adequada do benefício assistencial estampado na Lei Maior.
No que tange a proteção à pessoa com deficiência, a Constituição Federal de 1988 representou a institucionalização dos direitos humanos no país e um avanço na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, mudando a visão sobre a deficiência, deixando-se de adotar o modelo assistencialista, e proclamando ideal de integração e inclusão social dessas pessoas.
Em recente estudo, o Ministro Luís Roberto Barroso destaca que o substrato do conceito de dignidade humana pode ser decomposto em três elementos, a saber: (i) valor intrínseco, (ii) autonomia e (iii) valor comunitário.
Soa inequívoco que deixar desamparado um ser humano desprovido inclusive dos meios físicos para garantir o próprio sustento, considerada a situação de idade avançada ou deficiência, representa expressa desconsideração dos mencionados valores.
Segundo consta dos autos, o benefício assistencial foi concedido em 06/11/1997 ao beneficiário pessoa com deficiência, determinando a Autarquia Previdenciária a cessação em 28/12/2021, por entender indevida a concessão do benefício.
Após a tramitação do processo administrativo, a autarquia concluiu que a renda oriunda de pensão por morte da genitora aliado ao benefício assistencial superaria o limite de ¼ do salário mínimo, razão pela qual determinou a cobrança do valor correspondente a R$ 123.657,48 (cento e vinte e três mil seiscentos e cinquenta e sete reais e quarenta e oito centavos) referente ao período de 01/05/2016 a 28/12/2021.
Inicialmente, analiso a possibilidade de devolução dos valores.
Destaco, primeiramente, que a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Depreende-se, em breve resumo, que o mencionado precedente firmou as seguintes molduras para solução da temática:
1) o pagamento indevido decorrente de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado;
2) os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
3) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma);
4) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
In casu, considerando que a ação foi proposta após 23/04/2021 e se trata de pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração Previdenciária, é de fato aplicável a tese firmada pelo c. Superior Tribunal de Justiça.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
Sobre a boa-fé objetiva, pode-se definir nas palavras da Exma. Ministra Nancy Andrighi (RE 803.481/GO), como sendo “uma exigência de lealdade, impondo que cada parte se comporte de forma honesta, escorreita e leal, em conformidade com um padrão ético de confiança, a fim de permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do acordo de vontades. O ordenamento jurídico, nesse contexto, repele a prática de condutas contraditórias, impregnadas ou não de malícia ou torpeza, que importem em quebra da confiança legitimamente depositada na outra parte da relação contratual”.
Nesse sentido, relembro que um dos princípios basilares do Direito Civil diz respeito a presunção da boa-fé, devendo a má-fé ser provada por quem alega.
No caso dos autos, verifica-se que o grupo familiar do autor é composto pelo titular (pessoa com deficiência), e sua mãe idosa.
Na análise de apuração de irregularidade, somente no ano de 2021, o INSS afirma que identificou renda decorrente de concessão de pensão por morte desde 18/06/2011, o que resultou no enquadramento da renda superior a ¼ do salário mínimo vigente.
Contudo, observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.
Ausente a má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, tendo em vista o caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
Frisa-se que, in casu, o INSS não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, exigência prevista nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993 e do art. 42 do Dec. 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora vultuosa quantia que se acumulou durante o extenso lapso temporal em que a autarquia permaneceu inerte.
Vê-se, pois, que a narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
Nesse sentido, o entendimento deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXEGIBILIDADE DA RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. 1.Não há que se falar na incompetência da Justiça Estadual para apreciar a questão relativa à necessidade de devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, em virtude da competência federal delegada prevista no Art. 109, § 3º, da Constituição Federal. 2. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE 587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno). 3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF). 4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas. 5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. 6. Apelação provida em parte. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6088312-34.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 28/9/2021, DJEN DATA: 6/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não demonstrou o preenchimento de requisito essencial à concessão do benefício assistencial.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- A Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da Autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em suposto desacordo com a norma legal.
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto equívoco administrativo na concessão do benefício, o que afasta a existência de má-fé. - Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos. - Na hipótese dos autos, incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de pessoas jurídicas de direito público integrantes da mesma fazenda, a teor da Súmula nº 421 do Superior Tribunal de Justiça. - Tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente federativo e, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a condenação às verbas de sucumbência. Apelação provida em parte. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5003254-09.2022.4.03.6141, 9a Turma, 28/09/2023, Desembargador Federal GILBERTO JORDAN).
Sendo assim, entendo inexigível a cobrança do débito pelo INSS, nos termos da r. sentença.
Passo a análise do pedido de restabelecimento do benefício.
O requerente enquadra-se na condição pessoa com deficiência porquanto, quando da concessão do benefício nº 88/107.494.400-0 em 19/08/1997, a perícia médica realizada administrativamente constatou ser ele pessoa com deficiência mental (paralisia cerebral e autismo) e dependente de cuidados e incapacitado para o trabalho (ID 241818142).
O relatório social atualizado (ID 267514083) constata que o requerente reside com sua mãe Maria de Lourdes Nascimento de Cirqueira, e que a renda familiar advém do benefício de pensão por morte (NB 21/157.449.632-5) recebido pela genitora no valor de um salário mínimo desde 18/06/2011.
Verifica-se que a genitora completou 60 (sessenta anos de idade) em 01/11/2019, passando a condição de idosa, nos moldes da Lei n. 8.842/1994, de forma a atrair o entendimento de que os benefícios previdenciários e assistenciais no valor de um salário-mínimo pagos aos idosos devem ser excluídos para fins de apuração da renda mensal per capita da família (STF, RE 580.963; TRU/3ª Região, Súmula 22; e art. 20, §14, da Lei 8.742/1993).
Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015)
Ainda na análise de miserabilidade, o laudo social (ID 267514083) informa que o autor vive com sua mãe em um imóvel alugado de alvenaria, composto por dois cômodos: um quarto e cozinha.
A renda familiar advém, exclusivamente, da pensão por morte recebida pela genitora idosa, que conforme menciona o estudo social, não consegue desempenhar atividade remunerada em virtude da necessidade que a parte autora demanda em seus cuidados mais básicos.
Assim, entendo que a parte autora está submetida a risco social.
Desta forma, diante do conteúdo probatório dos autos, entendo preenchidos os requisitos legais necessários à concessão do benefício assistencial, sendo de rigor o seu restabelecimento, nos termos da r. sentença (ID 26751440) com data de início do benefício (DIB) a partir de 01/11/2019.
Desprovido o recurso da parte Apelante, cabível a majoração dos honorários em grau recursal, os quais majoro em 2%, em observância aos critérios do art. 85, §2º c.c. §11º do CPC.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação.
É o voto.
GABCM/GDSOUZA
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família
- Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
- À autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
- O INSS não realizou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, exigência prevista nos termos do art. 21 da Lei 8.742/1993 e do art. 42 do Dec. 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da parte autora vultuosa quantia que se acumulou durante o extenso lapso temporal em que a autarquia permaneceu inerte.
- Conclui-se dos autos que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores, sendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário, sendo incabível a cobrança de verba alimentar recebida de boa-fé.
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.