DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Ementa:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por idade rural. erro na concessão do benefício. TEMA 979. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
- É imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
- De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
- Conclui-se dos autos que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.- entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário, sendo incabível a cobrança de verba alimentar recebida de boa-fé.
- Apelação do INSS desprovida.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005871-08.2022.4.03.9999, Rel. CRISTINA NASCIMENTO DE MELO, julgado em 16/10/2023, Intimação via sistema DATA: 19/10/2023)
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005871-08.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALISSE JEZUINA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A, MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005871-08.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30. DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALISSE JEZUINA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A, MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de agravo interno em face da r. decisão (id. 271358695) que julgou procedente o pedido inicial para: (i) declarar inexigível o débito de R$ 53.090,88, decorrente da concessão de aposentadoria por idade rural.
Nas razões recursais, a Autarquia sustenta a ofensa a lei federal e a ilegalidade da declaração de inexigibilidade do débito. Requer a reforma do julgado.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005871-08.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30. DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DORALISSE JEZUINA DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A, MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: O INSS se irresigna da decisão que confirmou a r. sentença, que decidiu pela declaração de inexigibilidade de débito oriunda de cobrança de benefício de aposentadoria por idade rural tida por indevida.
A autarquia, após conceder o referido benefício à autora, afirma ter constatado erro na concessão do benefício previdenciário, pontuando a inocorrência de eficaz comprovação do efetivo desempenho de atividade rural no período imediatamente anterior à data de formulação do requerimento administrativo (ID 267735006 - Pág. 26).
Verifica-se que, a cessação do benefício derivou da constatação de que, quando da ultimação do requisito etário, a parte autora exercia atividades laborais de cunho urbano, o que impediria o deferimento da prestação requerida.
Em defesa, aduz a parte autora, a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé.
Analiso a possibilidade de devolução dos valores.
De fato, é assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de autotutela, conforme se preconiza nas Súmulas n. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
“A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”.
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91, a autorização do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Decidiu a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Depreende-se, em breve resumo, que o mencionado precedente firmou as seguintes molduras para solução da temática:
1) o pagamento indevido decorrente de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são passíveis de devolução pelo segurado;
2) os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
3) a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma);
4) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
Extrai-se da tese fixada, portanto, a NECESSÁRIA análise da presença, ou não, da boa-fé objetiva em sua percepção.
Sobre a boa-fé objetiva, pode-se definir nas palavras da Exma. Ministra Nancy Andrighi (RE 803.481/GO), como sendo “uma exigência de lealdade, impondo que cada parte se comporte de forma honesta, escorreita e leal, em conformidade com um padrão ético de confiança, a fim de permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do acordo de vontades. O ordenamento jurídico, nesse contexto, repele a prática de condutas contraditórias, impregnadas ou não de malícia ou torpeza, que importem em quebra da confiança legitimamente depositada na outra parte da relação contratual”.
Nesse sentido, relembro que um dos princípios basilares do Direito Civil diz respeito a presunção da boa-fé, devendo a má-fé ser provada por quem alega.
Observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.
Ausente a má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, tendo em vista o caráter alimentar do benefício, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
É esse o entendimento consolidado desta E. Nona Turma:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. INEXEGIBILIDADE DA RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. 1.Não há que se falar na incompetência da Justiça Estadual para apreciar a questão relativa à necessidade de devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, em virtude da competência federal delegada prevista no Art. 109, § 3º, da Constituição Federal. 2. Restou pacificado pelo e. Supremo Tribunal Federal ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos (MS 26085, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; RE 587371, Relator Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno; RE 638115, RE 638115, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno). 3. Pelo princípio da autotutela, a Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (Súmula nº 473/STF). 4. Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas. 5. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC. 6. Apelação provida em parte. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 6088312-34.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 28/9/2021, DJEN DATA: 6/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203, V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
- Na hipótese dos autos, a parte autora não demonstrou o preenchimento de requisito essencial à concessão do benefício assistencial.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- A Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a tentativa de cobrar da Autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em suposto desacordo com a norma legal.
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto equívoco administrativo na concessão do benefício, o que afasta a existência de má-fé. - Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do caráter alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos. - Na hipótese dos autos, incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, por se tratar de pessoas jurídicas de direito público integrantes da mesma fazenda, a teor da Súmula nº 421 do Superior Tribunal de Justiça. - Tendo em vista que as partes envolvidas integram o âmbito do mesmo ente federativo e, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, torna-se inviável a condenação às verbas de sucumbência. Apelação provida em parte. (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP 5003254-09.2022.4.03.6141, 9a Turma, 28/09/2023, Desembargador Federal GILBERTO JORDAN).
Ressalto que, a verificação do preenchimento dos requisitos para concessão de qualquer benefício previdenciário ou assistencial é ônus do INSS, e não da parte hipossuficiente, que como constato, é pessoa idosa e sem nível instrucional adequado.
À autarquia impõe-se o poder-dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
Por certo, está abarcada pela autotutela, a possibilidade da Administração Pública controlar seus próprios atos, de modo que, independentemente de anuência de outro Poder, possa revogá-los, quando inconvenientes ou anulá-los quando ilegais.
Ante a ausência de comprovação de fraude nos autos, não há como se imputar qualquer conduta ilícita ao requerente, tampouco má-fé na percepção do benefício.
Desse modo, pelo fato de as verbas terem sido recebidas de boa-fé pelo segurado e possuírem natureza alimentar, é de se reconhecer a inexigibilidade da cobrança do débito pelo INSS.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
GABCM/gdsouza
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: a Desembargadora Federal Cristina Melo, ao negar provimento ao agravo interno do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), manteve a decisão monocrática que entendeu pela inviabilidade da cobrança dos valores pagos indevidamente à parte autora.
Não obstante os judiciosos fundamentos expostos no voto de Sua Excelência, deles ouso divergir, pelas seguintes razões.
A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo, sendo-lhe dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade (art. 37 da Constituição Federal de 1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei n. 9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial."
Por sua vez, à luz do Código Civil (art. 876), percebe pagamento indevido todo "aquele que recebeu o que não era devido" e, por consequência, "fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, são repetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em 24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2017.
A propósito, especificamente sobre devolução de valores recebidos de boa-fé em razão de erro da Administração, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (Tema 979), julgado em 10/3/2021, DJe 23/4/2021, assim deliberou sobre a matéria:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
Desse julgamento é possível extrair as seguintes conclusões: (i) o pagamento indevido decorrente de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela Administração Previdenciária não é suscetível de repetição; (ii) o pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o erro (boa-fé objetiva); (iii) a hipótese de repetição em razão de erro da Administração Previdenciária atinge somente os processos distribuídos desde 23/4/2021 (modulação dos efeitos); e (iv) admitida a repetição, é permitido o desconto do percentual de até 30% do valor mensal do benefício do segurado.
Sobre a boa-fé objetiva, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (STJ, REsp n. 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
Por sua vez, a boa-fé subjetiva está relacionada à intenção do agente, contrapondo-se à má-fé (pressuposto do ilícito civil), a qual não se presume e deve ser demonstrada.
A parte autora pretende a declaração de inexigibilidade de débito referente à percepção do benefício de aposentadoria por idade rural (NB 41/132.627.243-5), no intervalo de 9/9/2005 a 28/2/2015.
O INSS realizou apuração de indício de irregularidade na documentação que embasou a concessão do benefício rural, tendo sido, ao final, verificado que não houve a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício (artigos 39, I, e 142 da Lei n. 8.213/1991).
Ao que se depreende do Relatório Conclusivo, da Gerência Executiva de Campo Grande/MS, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da concessão do benefício:
“(...) observa-se que a beneficiária foi cadastrada sob o NIT 1120179031-4, tendo recolhimentos compreendidos entre 08/1989 a 08/1993, na condição de Contribuinte Empresário, assim como recebe pensão por morte de nº 100.265.029-9 do companheiro falecido.
Visando elucidação dos fatos convocamos a beneficiária para prestar esclarecimentos na forma do Ofício 06.501/469.2013, de fls. 31, as quais foram reduzidas a termo, conforme Termo de Declarações de fls. 35/36, sendo as assertivas: “QUE: quando resolveu se aposentar foi ao Escritório Aquarius em Aparecida de Taboado e lá conversou com Silvio e ele arrumou os papéis que precisava e ele mesmo deixou os papéis para o CELSO no INSS.”
É importante ressaltar que a revisão e o cancelamento do benefício de aposentadoria por idade da parte autora não se tratou de revisão de simples ato administrativo isolado, mas decorreu de complexo processo de revisão que envolveu uma série de benefícios concedidos irregularmente pela agência de Aparecida do Taboado principalmente entre os anos 2004 e 2006.
Como os valores recebidos decorreram da fraude relatada e propagada no Município, não se pode presumir que a parte autora agiu de boa-fé, até porque os meios ardis que foram utilizados em Aparecida do Taboado/MS para conceder irregularmente centenas de benefícios eram, muitas vezes, conhecidos dos beneficiados.
Aliás, as irregularidades ocorridas na Agência da Previdência Social daquele Município levaram, também, à demissão do agente público envolvido com as ilegalidades na concessão indevida de benefícios, ao ajuizamento de diversas Ações Civis Públicas de improbidade, na qual é pedida a responsabilização dos que concorreram para a lesão ao Erário, e à denúncia criminal em que se persegue a responsabilização dos acusados dos atos ilícitos (autos n. 0000143-41.2016.4.03.6003).
Cabe frisar o fato de que este caso envolve fraude perpetrada contra a Administração, matéria que não se confunde com o erro administrativo tratado no Tema n. 979 do STJ.
Vale dizer: não houve erro operacional da Administração, mas a prática de ato viciado, em virtude do emprego de meios artificiosos.
Nessa esteira, não cabe cogitar de modulação dos efeitos para eximir a beneficiária de restituir os valores indevidamente recebidos.
Incide na espécie, portanto, a regra da repetibilidade dos valores indevidamente recebidos (artigos 115, II, da Lei n. 8.213/1991, e 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999), a qual prescinde da aferição da presença ou não de boa-fé da beneficiária ou da natureza alimentar do benefício.
Em decorrência, é impositiva a reforma da sentença para julgar improcedente pedido de declaração de inexistência de débito previdenciário.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento ao agravo interno para, nos moldes da fundamentação deste julgado, julgar improcedente pedido de declaração de inexistência de débito.
É o voto.
Desembargadora Federal DALDICE SANTANA
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por idade rural. erro na concessão do benefício. TEMA 979. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
- É imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
- De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que causem prejuízo ao Erário Público.
- Conclui-se dos autos que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no recebimento de valores.- entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em tela, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário, sendo incabível a cobrança de verba alimentar recebida de boa-fé.
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto da Relatora, que foi acompanhada pelo Juiz Federal Convocado Nilson Lopes e pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que dava provimento ao agravo interno, no que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Fonseca Gonçalves (5º voto). Julgamento nos termos do art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.