Período em gozo de benefício por incapacidade, intercalado com contribuição, conta para fins de direito adquirido na EC 103/2019?

24 de Outubro de 2022
Hoje iremos abordar uma questão jurídica interessantíssima, que foi julgada na sessão da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região na sua sessão de 14/10/2022.
E antecipamos uma boa notícia: a questão, super polêmica, foi uniformizada - por maioria - em favor dos segurados!
Vamos à questão.
Imagine que Sr. João chega ao seu escritório com a seguinte situação:
- Recolheu normalmente até 2010, somando até então, digamos, 27 anos de tempo de contribuição;
- Ficou em gozo de benefício por incapacidade por 7 anos (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) de 2011 a 2018, quando então o benefício foi cessado;
Primeiramente, se João não voltou a recolher depois da cessação do benefício por incapacidade em 2018, nós sabemos que este intervalo de benefício por incapacidade não pode ser computado nem para fins de tempo de contribuição e nem de carência; é que, durante este intervalo, não existem recolhimentos previdenciários.
Contudo, a regra do art. 55, inc. II da Lei 8.213/91, prevê que este período pode ser considerado para fins de tempo de contribuição desde que intercalado com outras contribuições:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;
Definir exatamente o que constituiu o intercalado não é o objetivo deste artigo; adiantamos que há entendimentos favoráveis na jurisprudência de que bastaria um único recolhimento mensal, mesmo que na condição de segurado facultativo, para configurar o tempo intercalado e permitir que os 7 anos de benefício por incapacidade nosso exemplo possam contar como tempo de contribuição e carência!
Contudo, isto é questão para outro artigo; afastando-se por um instante desta polêmica, vamos admitir que este segurado voltou a verter contribuições como segurado empregado em 2022.
Assim, é indiscutível (entendimento pacificado de longa data, pelo próprio STF e pela TNU - Súmula 73) que o período de 2011 a 2018 deve ser contado para fins de tempo de contribuição e carência, por força do já transcrito art. 55, inc. II da Lei 8.213/91.
Porém, a dúvida que se põe é a seguinte: este período de 2011 a 2018 pode ser contado para fins de tempo de contribuição e carência apenas a partir de 2022, quando houve então o recolhimento que o tornou tempo intercalado? Ou, alternativamente, este recolhimento feito em 2022, que o tornou tempo intercalado, retroage para os fins de tornar o período de 2011 a 2018 "intercalado" mesmo anteriormente, a qualquer tempo, permitindo, inclusive, que a análise de direito adquirido em, digamos, 13/11/2019 (data da Reforma da Previdência) o leve em consideração?
Em termos mais técnicos, a dúvida pode ser redigida da seguinte forma:
O recolhimento que torna o período em gozo de benefício por incapacidade intercalado para os fins de permitir a sua contagem como tempo de contribuição e carência (art. 55, inc. II da Lei 8.213/91) tem efeito constitutivo, e portanto produz efeitos apenas dali em diante (ex nunc) ou tem efeito declaratório, produzindo efeitos também retroativos (ex tunc)?
As consequências práticas são enormes.
Acaso se entenda que este recolhimento que torna o período intercalado é constitutivo e, portanto, não retroage, a contagem do tempo de contribuição de João em 13/11/2019, data da Reforma da Previdência, é de 27 anos de tempo de contribuição. João, portanto, não tem direito à qualquer benefício previdenciário.
Por outro lado, acaso se entenda que este recolhimento tem natureza declaratória e, portanto, retroage, a contagem do tempo de contribuição de João em 13/11/2019, data da Reforma da Previdência, é de 35 anos de tempo de contribuição. João, portanto, tem direito adquirido à aposentadoria por tempo de contribuição integral, mesmo que o recolhimento que tornou o período de 2011 a 2018 intercalado tenha sido feito em 2022, ou seja, depois do marco temporal que estamos analisando o direito adquirido (13/11/2019).
Há fundamentos robustos para ambas as correntes. Tanto assim o é que o tema subiu para a TRU-4, ou seja, a Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência, já que duas Turmas Recursais do TRF-4 tinham decidido de forma completamente distinta.
E, não bastasse isso, o julgamento foi apertado; a Juíza Relatora votou no sentido de que o recolhimento tem natureza constitutiva, ou seja, ele não retroage, de forma que, no nosso exemplo, a análise feita em 13/11/2019 não pode levar em consideração o período de benefício por incapacidade; isto porque, em 13/11/2019, ele ainda não era intercalado, só assim se tornando posteriormente àquela data (com o recolhimento de 2022), de forma que não há como se falar em direito adquirido em 13/11/2019.
Veja como ficou seu voto:
O que o recorrente pretende é contar o período em auxílio-doença até a data da promulgação da EC 103/2019, para garantir o direito ao benefício segundo as normas até então em vigor.
Para verificar se o autor pode receber aposentadoria por tempo de contribuição segundo as regras em vigor no período imediatamente anterior ao início da vigência da EC 103/2019, é preciso verificar se, em 13/11/2019, ele tinha direito adquirido ao benefício. Em caso positivo, deve-se proteger a situação subjetiva já incorporada ao patrimônio jurídico do titular.
Conforme a súmula 73, da TNU, o tempo de gozo de auxílio-doença pode ser computado como tempo de contribuição ou carência quando intercalado entre períodos nos quais houve o recolhimento de contribuições para a previdência social.
Nessa mesma linha é a jurisprudência desta TRU: 5027005-02.2020.4.04.7100, rel. juíza federal Marina Vasques Duarte, juntado aos autos em 30/04/2021.
Na data da promulgação da EC 103/2019, o autor não tinha direito adquirido à contagem do período em gozo de benefício por incapacidade, porque não se tratava ainda de período intercalado com períodos contributivos. Não há, nesse caso, uma situação subjetiva a ser protegida em face das novas normas.
Dessa maneira, deve prevalecer a interpretação conferida pelo acórdão recorrido, que não permitiu a contagem do período em auxílio-doença em momento anterior à retomada das contribuições.
Contudo, houve divergência, que se sagrou vencedora!
De acordo com o voto vencedor:
De início, é oportuno consignar que não há dúvida de que o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, desde que intercalado com períodos contributivos, deve ser computado como tempo de contribuição e para efeito de carência. Nesse sentido, decidiu o STF em repercussão geral (Tema 1.125 - com acórdão publicado em 25-02-2021), quando foi reafirmado o julgado no RE n. 583.834, também em sede de repercussão geral (Tema 88 - com acórdão publicado em 14-02-2012), bem como a Primeira Seção do STJ, em 11-12-2013, no Tema 704 dos recursos repetitivos.
Também é certo que o cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade somente é possível se, após a cessação do benefício, o segurado voltar a recolher contribuição previdenciária; antes disso (recolhimento de contribuição) o período não pode ser computado.
Resta definir se a contribuição sucessiva determina ou produz efeito na aplicação das regras de implementação dos requisitos da aposentadoria, ou, se apenas possibilita a contagem do tempo de serviço sem interferir nos efeitos que normalmente lhe são próprios.
É entendimento assente na doutrina e na jurisprudência que o tempo de serviço é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado e integra, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador. A configuração da relação de emprego (via ação trabalhista), a prova do tempo de serviço, o registro do tempo no CNIS ou mesmo a respectiva indenização não interferem nos efeitos do tempo de serviço no cômputo geral do tempo de contribuição para a implementação desse requisito, ou seja, os efeitos do tempo de serviço sempre são retroativos à data em que prestado, mesmo que outros requisitos para seu cômputo só se verifiquem posteriormente.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado no caso específico dos autos, em relação ao aproveitamento da contagem como tempo de serviço do período em gozo de benefício por incapacidade intercalado com contribuições na aplicação das regras de transição da EC 103/2019.
(...)
Ora, uma vez vertida contribuição sucessiva, a contagem como tempo de serviço do anterior período em gozo de benefício por incapacidade também precedido de contribuição está incorporada ao patrimônio do segurado para todos os efeitos, inclusive para a aplicação das referidas regras de transição. Aliás, quando o STF, em repercussão geral, assegurou a contagem desse tempo ficto, não fez qualquer ressalva quanto aos seus efeitos ou quanto à sua irretroatividade para a aplicação da regra mais favorável ao benefício previdenciário que a considere.
Assim, a contribuição posterior a EC 103/2019 só interfere nos efeitos financeiros do benefício que a considere para a contagem de período em gozo de benefício por incapacidade intercalado com contribuições, não interferindo nos efeitos desse tempo de serviço sobre a definição das regras de implementação dos requisitos de benefício que inclua contagem de tempo de serviço/contribuição.
Cabe propor, portanto, a uniformização do entendimento de que é possível o cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade para fins de reconhecimento de direito adquirido anterior à EC 103/2019 e de cálculo dos pedágios das regras de transição da EC 103/2019, ainda que as contribuições posteriores somente tenham sido vertidas após a vigência da EC 103/2019, desde que na DER os períodos intercalados de contribuição já se verificassem.
Trata-se, portanto, de uma excelente notícia para os segurados!
E, como visto do voto vencedor, esse mesmo entendimento deve ser aplicado para os casos de indenização de contribuições; é o caso, portanto, do MEI (contribuinte individual), que recolheu com a alíquota de 5% sobre o salário mínimo e, posteriormente, decide utilizar esse período para fins de tempo de contribuição, tendo que complementar a diferença para a alíquota de 20%.
Neste caso, segundo o voto vencedor, também deve-se interpretar que a indenização retroage, ou seja, permite que o tempo do MEI seja contado como tempo de contribuição a qualquer tempo, inclusive para análise de direito adquirido em datas anteriores à da indenização das contribuições.
Por fim, transcrevemos aqui a ementa do julgado da TRU-4 (a qual, diga-se de passagem, ficou com a redação um pouco confusa, razão pela qual é importantíssima a análise do seu inteiro teor conforme fizemos acima):
AGRAVO CONTRA INADMISSÃO PRELIMINAR DE PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. COMPROVAÇÃO DE DIVERGÊNCIA SOBRE QUESTÃO DE DIREITO MATERIAL. PROVIMENTO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CONTRIBUIÇÃO POSTERIOR EFETUADA NA VIGÊNCIA DA EC 103/2019. CONSIDERAÇÃO NO CÁLCULO DO PEDÁGIO DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA EC 103/2019. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO.
1. É pacífico que o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, desde que intercalado com períodos contributivos, deve ser computado como tempo de contribuição e para efeito de carência (Tema 704 do STJ e Temas 88 e 1.125 do STF).
2. É entendimento assente na doutrina e na jurisprudência que o tempo de serviço é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado e integra, como direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador. A configuração da relação de emprego (via ação trabalhista), a prova do tempo de serviço, o registro do tempo no CNIS ou mesmo a respectiva indenização não interferem nos efeitos do tempo de serviço no cômputo geral do tempo de contribuição para a implementação desse requisito, ou seja, os efeitos do tempo de serviço sempre são retroativos à data em que prestado, mesmo que outros requisitos para seu cômputo só se verifiquem posteriormente.
3. O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao aproveitamento da contagem como tempo de serviço do período em gozo de benefício por incapacidade intercalado com contribuições na aplicação das regras de transição da EC 103/2019 ou no reconhecimento de direito adquirido pelas regras anteriores.
4. A contribuição posterior à EC 103/2019 só interfere nos efeitos financeiros do benefício que a considere para a contagem de período em gozo de benefício por incapacidade intercalado com contribuições, não interferindo nos efeitos desse tempo de serviço sobre a definição das regras de implementação dos requisitos de benefício que inclua contagem de tempo de serviço/contribuição.
5. Uniformizado o entendimento de que é possível o cômputo do período em gozo de benefício por incapacidade para fins de reconhecimento de direito adquirido anterior à EC 103/2019 e de cálculo dos pedágios das regras de transição da EC 103/2019, ainda que as contribuições posteriores somente tenham sido vertidas após a vigência da EC 103/2019, desde que na DER os períodos intercalados de contribuição já se verificassem.
6. Agravo provido e, ato contínuo, pedido de uniformização regional provido.
(TRU-4, PUIL n. 5015344-65.2021.4.04.7108/RS – Rel. p/ acórdão Juíza Federal Luisa Hickel Gamba, julgado em 14/10/2022)
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