A decisão mais importante sobre Aposentadoria por Idade Rural em 2022: Tema 301 da TNU

27 de Outubro de 2022
No julgamento do PEDILEF 0501240-10.2020.4.05.8303/PE, em 17/03/2022 a Turma Nacional de Uniformização afetou o Tema 301 colocando a seguinte questão sob julgamento:
“Saber se, à luz da exigência de que o período de exercício de atividade rural seja imediatamente anterior ao requerimento de benefício ou implemento da idade, ainda que descontínuo, conforme arts. 39, i, 48, §2º e 143, todos da Lei 8.213/91, o exercício de atividade urbana por mais de 120 dias, corridos ou intercalados, no ano civil, na vigência da Lei 11.718/2008, implica, além da perda da qualidade de segurado especial, ruptura do perfil de trabalhador rural e interrupção da contagem do tempo de atividade rural (carência), impedindo o somatório dos períodos de atividade campesina anterior e posterior ao vínculo urbano que extrapolou o limite legal, exigindo nova contagem integral do intervalo exigido por lei para a aposentadoria por idade rural pura.”
A tese vencedora, firmada em 15/09/2022, restou assim delimitada:
“Cômputo do Tempo de Trabalho Rural. I. Para a aposentadoria por idade do trabalhador rural não será considerada a perda da qualidade de segurado nos intervalos entre as atividades rurícolas. Descaracterização da condição de segurado especial. II. A condição de segurado especial é descaracterizada a partir do 1º dia do mês seguinte ao da extrapolação dos 120 dias de atividade remunerada no ano civil (Lei 8.213/91, art. 11, § 9º, III). III. Cessada a atividade remunerada referida no item II e comprovado o retorno ao trabalho de segurado especial, na forma do art. 55, parag. 3º, da Lei 8.213/91, o trabalhador volta a se inserir imediatamente no VII, do art. 11 da Lei 8.213/91, ainda que no mesmo ano civil.”
Tanto o tema afetado, quanto a tese estabelecida não foram felizes do ponto de vista de clareza. É necessário, portanto, que se faça um esforço hermenêutico para se ter noção do que realmente foi estabelecido na decisão.
Para entendermos a decisão, é importante entender o contexto em que ela foi proferida.
A recorrente entrou com um pedido de uniformização contra acórdão proferido pela 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Pernambuco após ter seu benefício de aposentadoria por idade rural indeferido porque havia desenvolvido atividade urbana por mais de 120 dias dentro do período de carência.
A decisão atacada havia estabelecido que o exercício da atividade urbana, por mais de 120 dias, após a vigência da Lei nº 11.718/2008, interrompia a contagem do tempo de atividade rural considerado para fins de carência. Ela exigia um novo implemento integral dos 180 meses para a concessão do benefício.
Só para recordar, a Lei 11.718/2008 é aquela que, entre outras coisas, estabeleceu normas transitórias sobre aposentadoria do trabalhador rural, afirmando que não deixa de ser segurado especial aquele que exerce atividade remunerada em período não superior a 120 dias, corridos ou intercalados, no ano civil (inciso III do §10º do artigo 12 da Lei nº 8.212/991, acrescentado pelo art. 9ª da Lei 11.718/2008, com a redação alterada Lei 12.873 de 2013).
Traduzindo de maneira simples: de acordo com a referida lei, não deixa de ser segurado especial a pessoa que trabalha até 120 dias no ano em atividade remunerada diferente da rurícola. Ultrapassado este prazo, perde essa condição.
A recorrente afirmava que havia divergência do que tinha sido decidido no seu caso, em relação às decisões que a TNU vinha tomando, no sentido de relativizar o prazo de 120 dias, aplicando-se os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
No caso da recorrente, ela havia exercido atividade urbana por 11 meses e 27 dias no meio do período de carência, sendo que este intervalo foi trabalhado depois do advento da Lei 11.718/2008, ou seja, após 23/06/2008 (data da entrada em vigor da referida lei).
O que a Turma Nacional de Uniformização passou a julgar, portanto, era qual seria o tempo que o segurado especial poderia deixar de exercer a atividade rurícola e, mesmo assim, continuar sendo enquadrado nesse tipo de segurado.
A votação ocorrida em relação ao Tema 301 não foi unânime, pois:
I – o Juiz Federal relator, Ivanir César Ireno Júnior, elaborou seu voto no sentido de dar provimento ao incidente, fixando a tese de que o exercício da atividade urbana por mais de 120 dias na vigência da Lei 11.718/2008 não implicaria a ruptura da qualidade de segurado especial e a interrupção da contagem do tempo de atividade rural para fins de carência se ele fosse inferior a 36 meses ininterruptos.
II – O Juiz Federal Francisco Glauber Pessoa Alves também divergiu em relação à tese acatada pela TNU. Para ele a condição de segurado especial restaria descaracterizada pelo exercício da atividade remunerada superior a 120 dias no ano em que o trabalho acontecesse, mas poderia ser utilizado o tempo remoto anterior e posterior a ele.
III – o voto vencedor foi o voto-divergente do Juiz Federal Fábio de Souza Silva, que se passa a analisar.
Trata-se de um voto conciso, que, curiosamente, contém trecho de poesia de Cecília Meireles e citação da linguista estadunidense Deborah Tannen como elemento de coesão da fundamentação.
No texto, Fábio de Souza Silva, desenvolve o seguinte raciocínio:
- Diferencia imediatidade de continuidade do trabalho rural a ser analisado para fins da aposentadoria por idade rural, estabelecendo que a ruptura da continuidade do trabalho agrícola não afeta a sua imediatidade, afirmando que “um período de trabalho rural contínuo, pode não ser imediato”. Traduzindo de forma simples, tem-se o seguinte:
- Estabelece que o direito à aposentadoria por idade rural é de quem é trabalhador rural no momento da aposentação e não de quem foi trabalhador rural. Assim, não tem direito a este tipo de aposentadoria “quem, mesmo tendo trabalhado no campo por mais de 180 meses, deixou a lide campesina antes de completar o requisito etário”;
- Entende que “a exigência de imediatidade do labor rural se refere apenas ao momento do requerimento ou da implementação do critério etário”, ou seja, se a imediatidade for comprovada, pode-se “somar os períodos rurais antigos e novos, independentemente da distância entre eles, mesmo quando houver perda da qualidade de segurado, desde que comprovado esse retorno”;
- Afirma que o retorno à atividade rural não pode ser presumido. Precisa ser comprovado na forma do §3º, do art. 55 da Lei 8.213/91;
- Disciplina que a descontinuidade do trabalho rural não se converte em uma interrupção que obsta a contagem do tempo rural mais antigo (anterior ao trabalho urbano).
- Conclui que o trabalho remunerado por até 120 dias no ano deve ser desconsiderado, não impactando a caracterização da condição de segurado especial quando houver retorno ao campo, situação em que recupera imediatamente o seu enquadramento neste tipo de segurado.
Passamos, portanto, a exemplificar a tese criada pela Turma com exemplos concretos:
Como já se frisou, o voto vencedor foi bastante resumido, assim, é necessário fazer um esforço integrativo para posicioná-lo em relação às interpretações já existentes em torno de temas sobre aposentadoria por idade rural.
Neste sentido, destacam-se algumas questões.
1º) O julgamento só vale para situações em que a interrupção do labor rural aconteceu depois da Lei nº 11.718/2008?
Sim. O julgamento só trata dos fatos ocorridos após 23/06/2008, data de publicação da Lei 11.718/2008.
2º) E o período anterior à Lei nº 11.718/2008, como fica?
Permanece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a aplicação da Lei 11.718/2008 não pode ser utilizada de forma retroativa. Neste sentido:
“A partir do advento da Lei 11.718/08, a qual incluiu o inciso III do § 9º do art. 11 da Lei 8.213/91, o legislador possibilitou a manutenção da qualidade de segurado especial quando o rurícola deixar de exercer atividade rural por período não superior a cento e vinte dias do ano civil, corridos ou intercalados, correspondentes ao período de entressafra. Todavia, a referida regra, mais gravosa e restritiva de direito, é inaplicável quando o exercício da atividade for anterior à inovação legal.” ((AgRg no REsp 1354939/CE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 01/07/2014).
Assim, em períodos anteriores a 23/06/2008 a jurisprudência do Superior Ttribunal de Justiça e da Turma Nacional de Uniformização afirmam que o prazo máximo de afastamento da atividade rural seria de 24 meses (período de graça). Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. PERÍODO. PRAZO DE CARÊNCIA. SEGURADA ESPECIAL. PERDA. 1. A Primeira Turma desta Corte, no julgamento do AgRg no REsp n. 1.354.939/CE, decidiu pela aplicação analógica do art. 15 da Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre a manutenção da qualidade de segurado àquele que, por algum motivo, deixa de exercer a atividade contributiva por até 24 (vinte e quatro) meses, o denominado "período de graça". 2. Demonstrado que a parte recorrente exerceu atividade urbana por período superior a 24 (vinte e quatro) meses no período de carência para a aposentadoria rural por idade, forçosa é a manutenção da decisão agravada. 3. Agravo interno desprovido. (STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1063248/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/06/2020, DJe 16/06/2020)
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. LAPSO ANTERIOR À LEI N.º 11.718/2008. QUALIDADE DE SEGURADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 15 DA LEI N.º 8.213/91. FIXAÇÃO DA SEGUINTE TESE: PARA FINS DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, PERDE A QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL AQUELE QUE, EM PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.718/2008, INTERROMPE A ATIVIDADE RURAL POR PERÍODO SUPERIOR AO DA GRAÇA, PREVISTO NO ARTIGO 15 DA LEI N.º 8.213/91. INCIDENTE PROVIDO. (TNU. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI (TURMA) Nº 0503739-98.2019.4.05.8303/PE. Relator: Juiz Federal Jairo Gilberto Schafer. Sessão Ordinária de 20.11.2020. Data do Trânsito em julgado: 28.01.2021)
3º) Quanto tempo de atividade rural é preciso provar para o segurado readquirir a condição de segurada especial depois do trabalho urbano?
O julgamento diz que o trabalhador rural readquire imediatamente a sua condição rurícola após o tempo em que ficou no trabalho urbano, mas que o seu retorno deve ser comprovado nos termos do §3º, do art. 55 da Lei 8.213/91.
4º) E quem completou a idade mínima quando já estava na área urbana por mais de 120 dias ou, após completada a idade mínima, entrou com o pedido de requerimento administrativo após mais de 120 dias de afastamento da atividade rural, como fica?
Aqui cabem algumas possibilidades de interpretação diferentes porque o voto não foi claro a respeito deste ponto. Destacam-se duas que se entende que serão mais corriqueiras:
- O requisito imediatidade não existe e não se pode mais enquadrar o segurado como trabalhador rural, logo, ele somente terá direito à aposentadoria por idade híbrida quando completar o requisito da idade mínima para tanto.
- A qualidade de segurado persiste durante o período de graça. O voto vencedor cita, mesmo que de passagem, o artigo 258 da Instrução Normativa 128/2022: “Para fins de concessão de aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, o segurado deve estar exercendo a atividade rural ou em período de graça na DER ou na data em que implementou todas as condições exigidas para o benefício”.
Sob esta ótica, portanto, o segurado teria direito à concessão da aposentadoria por idade rural mesmo quando fizesse o requerimento administrativo ou implementasse os requisitos para a concessão do benefício durante o período de graça, que, como regra geral, dura um ano (inciso II do art. 15 da Lei nº 8.213/91).
Nesta interpretação se acolhe a decisão presente no Tema 301, harmonizando-a com a regra administrativa que permite a concessão do benefício também no período de graça.
5º) Este julgamento tem eficácia vinculante para os juízes dos Juizados Especiais Federais e Turma Recursais?
A princípio não. Como a própria TNU decidiu na Reclamação 5000128-54.2021.4.90.0000, em 19/07/2021, “por mais relevantes que sejam para o cenário jurídico nacional, os temas representativos da controvérsia, julgados por esta TNU, não se revestem de eficácia vinculante (exoprocessual), assim como se dá, por sinal, com as Súmulas desta TNU ou de quaisquer Tribunais, inclusive do STJ, à exceção, logicamente, das súmulas vinculantes editadas pelo STF com supedâneo no art. 103-A da Carta Maior”.
Contudo, há que se ressaltar que, muito embora a decisão não tenha efeito vinculante, é possível que, em um pedido de incidente de uniformização que atenda os requisitos formais, o juízo responsável pela admissibilidade determine a devolução dos autos à Turma de origem para que formula um juízo de retratação nos casos em que o acórdão recorrido esteja em discordância com entendimento consolidado pela TNU (art. 3º, § 2º, da Resolução 347/2015 e art. 15, IV, do RITNU). Em virtude disso, as Turmas Recursais geralmente costumam se curvar aos entendimentos proferidos pela TNU.
Estes são pontos que se julgou oportuno destacar em relação ao que foi recentemente julgado no tema em análise. Certamente outros virão e suscitarão novos enfrentamentos.
Solange Martignago – out/22
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